sábado, 30 de novembro de 2013

Cicloturismo pelo Chile e Argentina - 11º dia

Me dava conta que passara minha primeira noite na Cordilheira dos Andes.

A noite foi fria. O mijão, não eu, é uma calça fina, a calça de moleton e outra calça impermeável, uma camiseta de manga curta, outra de manga comprida, a blusa de moleton, a jaqueta, a touca, as duas luvas e o saco de dormir não deram muita conta do frio mas não me deixaram morrer congelado.

Os holandeses que me viram variar todas estas roupas nos dias no camping falavam que eu carregava muita coisa mas eu não tinha outra pessoa pra me aquecer a noite e ficava imaginando se eles se bastavam nas noites frias ou se os equipamentos delem eram muito superiores aos meus.

O dia começava, desmontei e arrumei a bagagem e fui em direção a estrada.

Quando cheguei na estrada havia um caminhão quebrado e fui conversar com o motorista pra me informar como seria o caminho dali pra frente.

Ele me disse que ainda teria que subir mais um pouco mas que a estrada consistia em um sobe e desce constante até a Argentina e me convidou pra ir com ele.

Pensei, não muito, e resolvi aceitar, afinal ganharia uns 2 dias e ainda poderia me encontrar com os holandeses novamente.

O caminhão transportava um contêiner e entre ele e a cabine tinha um lugar estratégico que poderia colocar a bike.


Perguntei sobre como ele consertaria o caminhão e ele falou que mecânicos já estavam a caminho e realmente em meia hora eles apareceram.

Pelo que entendi era algum problema no freio que segurava o caminhão. Andamos devagar e paramos várias vezes até que o problema fosse solucionado e isso consumiu longas horas e então os mecânicos tomaram a frente e sumiram na estrada.

A partir deste momento pude apreciar a viagem e me deslumbrar mais algumas vezes com as magnificas paisagens da Cordilheira que mostravam montanhas multicoloridas porém sem nenhuma vegetação, lagoas verde esmeralda, mais alguns salares e um frenesi de Vicunhas (primas selvagens das lhamas) que corriam ao lado do caminhão e por vezes cruzavam a estrada fazendo a viagem parecer um verdadeiro safari.


Em determinado momento passamos holandeses. Eles se assustaram ao me ver na cabine do caminhão e devem ter pensado que brasileiro é mesmo folgado.


De qualquer forma me sentia aliviado por eliminar um pouco do meu sofrimento. 

Falei que os esperaria em Paso de Jama.

Já havia passado da metade da tarde quando chegamos na fronteira e contabilizava que eles não conseguiriam chegar ali naquele mesmo dia.

Desci do caminhão e fui pegar a bike e o resto do equipamento quando tive o maior frio na espinha até então... onde foi parar o saco de dormir????

Provavelmente caiu em uma das inúmeras curvas da estrada. Não faço ideia de como isso aconteceu pois tudo estava muito bem amarrado mas se ele se soltasse realmente não havia nenhuma barreria que o impedisse de rolar para o acostamento já que a carroceria era plana.

Fiquei uns dois minutos estático com o cérebro fritando a mil imaginando como seria dali pra frente... vou dormir aqui, depois sou obrigado a chegar em Susques em apenas um dia o que era impossível nas minhas condições e a partir dali sempre teria que contar em chegar em alguma localidade pra procurar abrigo.

Tirei tudo do caminhão e fui fazer os trâmites aduaneiros e nem mais ligava para a cara de espanto dos militares que faziam a segurança da fronteira.

Entrei na "casinha" de teto baixo que abrigava a aduana. Passei por uma senhora que tinha a boa vontade característica de funcionários públicos e ela me pediu os documentos do meu veículo e quando falei que era uma bicicleta ela que estava de cabeça baixa só levantou os olhos por cima armação dos óculos na ponta do nariz e pediu a nota fiscal da bicicleta.

Olhou meus documentos e me indicou a mesa no fim do corredor onde havia mais um funcionário da aduana. Este pegou meu RG, a nota fiscal da bike e logo me deu a papeleta de entrada na Argentina... Achei rápido demais mas ainda estava pensando no problema do saco de dormir e saí da aduana.

Conversando novamente com os militares eles informaram que tinha um hotel ali mas era caro (felizmente eu estava prevenido com os pesos Argentinos que levei do Brasil) e aí começaram a botar mais empecilhos falando que era só pra funcionários de uma empresa que havia ali perto, que eles não poderiam fazer nada e que seria melhor eu continuar na carona.

Me vi sem escolha e quando estava indo falar com o Nestor (o motorista do caminhão) que ainda estava por ali, o funcionário da aduana que havia me liberado saiu da aduana e me chamou indicando pra eu ir para um grande galpão ao lado.

Ele abriu a porta e só não estava completamente vazio porque tinham duas mesas e ele falou: Tire tudo das bolsas.

E eu que estava pensando que tinha resolvido meu problema estava prestes a conseguir outro... não que eu estivesse transportando algo ilícito mas sabia que teria que enfrentar alguma burocracia a boa vontade do fiscal e ainda de perder minha carona.

Ele observava tudo mas percebi que ele tinha mais curiosidade em ver o equipamento que eu transportava do que alguma fiscalização mesmo.

Tive certeza disso quando ele perguntou qual era o material do corta-vento que eu estava usando e quanto custava no Brasil e perguntas tipicas de quem quer saber sobre a viagem.

Perguntou também onde ele poderia conseguir a película do Rei do Gado... Perguntei o CD com as músicas? No, la película! Não tinha a menor ideia se a Globo disponibilizava novelas em DVD ou qualquer outra forma. Depois disto ele me liberou.

Arrumei as coisas novamente nos alforjes da maneira mais rápida possível e corri pra fora pra ver se o caminhão ainda estava lá e pra minha sorte estava.

Nestor concordou tranquilamente em me levar até Susques que seria seu ponto final.

Ficamos pelo menos mais uma hora na fila de abastecimento do posto que fica colado na aduana e pelo menos mais meia hora abastecendo... não sei se era problema na bomba ou a altitude ou má vontade do frentista, enfim.


Seguimos em direção a Susques e chegamos já a noite. Me despedí do Nestor que dormiria no caminhão e ofereci a ele uma nota de 20 dólares, ele não quis aceitar mas insisti pelo grande favor que ele me havia feito.

A cidade parecia daquelas de faroeste com vento criando redemoinhos, ruas de terra e vazias.

Entrei em um estabelecimento parecia um restaurante mas que indicava Habitaciones e quando as meninas, tipicamente indígenas da região dos Andes, me viram, duas delas saíram correndo pra dentro da casa e a que ficou me olhava assustada. Pedi um quarto e ela falou que não tinha.

Andei mais um pouco e encontrei outro lugar que se dizia hotel mas que parecia tudo menos hotel... Mas tinham quartos.

A mulher que me atendeu perguntou com baño o sen baño? Tá pode ser sem banheiro mesmo. Ela deu a chave do quarto e me mostrou onde seria o lugar pra tomar banho. Tinha realmente um chuveiro, o registro e o que parecia ser uma torneira na parte de baixo sem pia que não consegui entender pra que servia e mais nada, nem pra pendurar a toalha. 

Bom vou pendurar a toalha na maçaneta do lado de fora e quem disse que a água esquentava e o pior, a água ainda escorria por debaixo da porta pra fora do banheiro e molhava a toalha... aí não dá!

Saí e falei pra ela que queria cambiar para um quarto com baño e tudo se resolveu.

Por sorte ali também funcionava um restaurante e fiz ali meu jantar.

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